quarta-feira, 23 de abril de 2014

Texto 1 - Educação - A degradação da racionalidade


            Você já parou para pensar na importância que sua família tem? Eu não me refiro a essas concepções pregadas por grupos religiosos ou por políticos hipócritas que entendem que família é um estereótipo baseado em uma mãe, um pai, geralmente machista, e seus filhos obedientes e dóceis. Eu me refiro a uma vida conjunta, baseada em regras de convivência, a qual dá sentido à coexistência, ao viver coletivo.
            Se, ao pensar em seu passado familiar, de imediato lhe vem à cabeça algo como um ambiente onde tudo se resolvia com um “vai tomar no... , filho da ...”, seguido de socos e pontapés, então devo dizer que você não teve uma família no sentido natural da coisa. Se, ao rememorar seu passado, lhe vem à cabeça aqueles palavrões e reações de agressividade físicas, seguidos de uma bela surra, então devo dizer que você ainda presenciou os últimos suspiros da agonizante instituição familiar. Mas se ao resgatar na memória o primeiro convívio grupal de sua vida e você lembrar daquela cena de conflito e, em seguida, uma intervenção que te fez ao menos refletir sobre o que você estava fazendo, então eu presumo que você teve uma família de verdade.
            Se observarmos na natureza, muitos mamíferos vivem em famílias que, em geral, podem ter como líder um macho ou uma fêmea; podem também ter um casal liderando, ou apenas um ou alguns animais mais aptos a comandarem o grupo. O fato é que, ao que parece, todos os mamíferos precisam de uma família. Pois é ali que se aprendem as regras de convivência e de sobrevivência básicas que nortearão a vida de cada indivíduo até o seu último segundo sobre a Terra.
            Agora pense na nossa espécie: o que está acontecendo conosco?... O que se observa é que boa parte das pessoas não possui vivência familiar. E no caso do ser humano, uma família pode ser composta de pai, mãe e filhos; ou duas mães e filhos; ou dois pais e filhos; ou só filhos; a composição não importa, porque o que realmente é importante é que se tenha o grupo no qual se vai estabelecer uma espécie de ensaio para a vida mais ampla em sociedade. Quando um sujeito é criado sem essa base familiar, ele se torna uma criatura inadequada para o convívio com a sociedade que o cerca. E isso acontece por que ele simplesmente não aprendeu a compartilhar espaços, a entender que existem outros e a respeitar esses outros.
            Muitos aglomerados de gente que dividem uma residência, em nosso país, até se identificam como pai, mãe e filho, mas não vivem as relações familiares de aprendizado e preparo para a vida mais ampla; pelo contrário, negligenciam-se mutuamente e disputam o espaço da casa como se uns fossem intrusos a incomodar os outros. E isso quando o grupo não é composto de filhos abandonados sendo criados por uma avó ou uma tia caridosa.
            É assim que produzimos nossos desajustados sociais: construindo uma sociedade educada, muitas vezes, apenas pela televisão, que não é um ser vivo, não obedece princípios de sobrevivência e convivência e não estabelece relações pessoais com ninguém. E, à medida que pessoas que não viveram a experiência de se relacionar em família vão gerando outras pessoas, seus filhos herdam essa ausência de capacidade de convivência, de respeito, de responsabilidade.
            Não há nada de excepcional no atual estado de violência e imbecilização do povo brasileiro. Estamos apenas vivendo um hiato de tempo, um intervalo entre uma vida racional, baseada no aprendizado com seus pares para uma vida racional e emocionalmente equilibrada, e um modo de vida baseado no adestramento promovido por uma sociedade acéfala, que só sabe ver, ouvir e repetir o que apreendem através do seu mais novo tutor, substituto da família: a TV.

JC. Arcanjo
04/04/2014



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